Capítulo 17 - O beijo

A fazenda do seu Paulo realmente não era distante, mas fomos bem devagar para aproveitar a paisagem. A estrada de terra tinha subidas leves e descidas suaves, não deixando ninguém cansado. O caminho era dentro de uma mata e as árvores faziam sombra e deixavam poucos raios de sol brilharem no orvalho que ainda não secara. A Rafa e a Fê logo tomaram a dianteira e nos aguardaram em uma fonte natural, onde a água parecia sair de dentro da pedra de tão clara que era.

- Este era o caminho em direção a Minas Gerais e que depois serviu de base para a ferrovia. Com o tempo a ferrovia acabou e virou estrada para automóveis. Pela falta de manutenção, a estrada ficou impraticável e foi abandonada. Hoje em dia só passam cavalos e bicicletas. A produção da fazenda é escoada por via aérea.

- É um caminho muito lindo.

- Sem dúvida. Com o abandono progressivo da cidade, pelos seus habitantes, a mata foi revitalizada pela própria natureza, mas o caminho ficou intacto. A seguir de uma curva, vimos o portão principal que dava acesso à casa grande. A entrada era cercada de palmeiras enormes e, ao fundo, a casa branca com janelas azuis. À esquerda, uma construção mais moderna, que lembrava uma colmeia, só que com portas e janelas.
- Essa construção foi feita na época em que esta fazenda ia ser transformada em hotel. Mas são bons quartos e podemos nos instalar para trocar de roupa e todos ficarem à vontade.

Cada um escolheu um pedaço da colmeia.

- Priti, minha filha, você não precisava trazer esse seu biquíni tão mínimo!
- Ah! Mãe! Nem vem!
- Aqui é cidade do interior. As pessoas podem estranhar.
- Mãe! Estamos no século 21! E agora também não tem mais jeito.

Ela era muito bonita. Crescera e eu fui mãe como as outras: não vi o tempo passar. A minha menina magrela era uma gracinha! E não era boba pois, por cima do biquíni, jogou um camisão que batia quase no joelho.

- Pronto! Assim você não reclama. E eu também não ia dar essa moleza toda.
- Para o Sid?

Fingiu que não ouviu e se dirigiu para a porta.

- Você não vem?
- Mas é claro! Também estou ansiosa!

Lá fora, todos já esperavam.

- Vamos por aqui que vou apresentar vocês ao “seu” Paulo.

“Seu” Paulo nos aguardava na cozinha. Nos ofereceu café e biscoitos amanteigados, que aceitamos com prazer. Nos mostrou a casa toda e as relíquias que guardava do tempo do Império. Era um senhor muito gracinha e podia ter uns 200 anos de idade, se isso fosse possível. Mas guardava uma atividade sem par.

O chão da casa era de tábua corrida e, em alguns pontos, havia um ranger. Os quartos eram enormes e cada um tinha uma história das pessoas que passaram por ali. Quadros nas paredes enfeitavam o ambiente. Figuras de época e uma lareira. – “No inverno aqui faz muito frio” – ele disse.

Atrás da casa, uma escada de cimento dava acesso a uma trilha fechada e estreita que se abria em uma clareira, onde havia um lago onde desembocava uma queda d’água de uns 20 metros, talvez menos - eu nunca fui muito boa em calcular alturas - mas era bem alta e muito bela. Um galpão era a única visão da civilização e era onde estava sendo preparado o almoço.

- Como é domingo, “seu” Paulo mandou preparar um cozido.
- Cozido? Eu adoro.
- Imaginei, pois sei que você não come carne. Mas antes vamos aproveitar a água que está ótima! O último que cair na água é...

Guido nem terminou de falar e todos correram para o lago de águas cristalinas. Muita farra, tombos e caldos, à exaustão. Priti estava radiante e eu idem. A vinda para o Brasil não poderia ter sido melhor.

- Ufa! Vou parar um pouco. Assim é muito para um velho!
- Lá vem você de novo com essa de velho.
- Mas é o que eu sou.
- Onde Sid está indo?

O menino começava a escalar a rocha por trás da cachoeira.

- Acho que teremos novidades!
- Novidades?
- Está vendo aquela pedra lá em cima, cercada de margaridas?
- Estou.
- No tempo dos escravos, eles realizavam seus casamentos aqui. Só que à moda deles e o noivo tinha que subir na pedra, pegar uma margarida, pular aqui em baixo e dar a flor inteira para a noiva.
- Você não está querendo dizer que ele vai pular?
- Pergunte para a sua filha!
- Priiiiitiiii!

Priti estava paralisada de medo.

- Filha, o que vocês estão inventando? Filha, fala alguma coisa! Gui, não deixa ele pular!

Mas era tarde. Da pedra, ele olha para o céu como se procurasse alguma ajuda e mergulha com perfeição, paralelo à cachoeira. Um segundo de apreensão e ele emerge em direção à minha filha. Não tive mais ação; não sabia o que dizer ou fazer.

- Como você deixou ele fazer isso?
- Ele treina, há 5 anos, em piscinas olímpicas e há 2 anos começou a treinar aqui. Antes pulava das pedras mais baixas. Hoje foi o desafio. Mas não perca a cena!

Ele se aproximou da minha filha que, em um momento, soluçava e, no momento seguinte, o abraçava, quando ambos se beijaram, apaixonados que já estavam. Dentro de mim, uma mistura de emoções inacreditáveis. Tive medo da situação, raiva de não ter sido prevenida antes, ciúmes por nunca ter recebido tamanha prova de amor e uma vontade louca de acabar com aquilo tudo e ir embora. Foi o limite da emoção. Tudo explodia a minha volta. Optei por sentar. “- Calma, tenho que me acalmar”.

De repente uma salva de palmas vinda do nada e notei que vários empregados da fazenda e até “seu” Paulo estavam lá para ver o salto. “- Quer dizer que estamos tendo um casamento por aqui? Se não fossem os moleques da roça íamos perder essa festa. Então, “dona” Bela, anime-se. Vamos começar uma festa. Que venham os sanfoneiros!”

E, do nada, também surgiu uma animação generalizada e um monte de gente à minha volta me impediu de aproximar da minha filha.

- Venha! Vamos nos trocar, que agora você vai participar de uma festa caipira!

A Fê me carregou para o galpão onde, em um armário, haviam roupas típicas. Priti e Sid eram festejados e eu não sabia se gostava daquela animação ou se esganava o Gui de vez. Ele, por sua vez, saiu de fininho com “seu” Paulo e notei que a Rafa fazia as honras para Priti, enquanto Sid era carregado no colo, pelos homens, como um herói.

No galpão, a festa começou animadíssima. Uma quadrilha caipira dançava sem parar, em pleno dezembro. As mulheres festejavam minha filha, escoltada pela Rafa e Sid uniu-se aos sanfoneiros, tocando um violão de 12 cordas. Guido se aproximou.

- Está mais calma?
- Não sei, o que você acha?
- Você é muito nova para ficar com cara feia. Assim cria rugas precoces.
- Mas essa situação é uma loucura. Minha filha se casou?
- Claro que não. Mas uma declaração de amor dessas é um bom motivo para uma festa. Acalme-se. Eles se gostam e sabem o que fazem.

Finalmente consegui me aproximar da minha filha.
 
- Mãe, oh! Mãe! E ela me abraçou.

A felicidade no rosto dela me fez esquecer a apreensão. O susto passou. Mas e agora? Tanta paixão seria interrompida em menos de 24 horas. A vida continuava e iríamos embora no dia seguinte.
 
 
 
 
Eu sou doc

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