Capítulo 16 - A Missa

Dormimos como anjos. Eu fui na frente, pois a Pri pediu os tais cinco minutinhos e eu nem reclamei. Estava exausta. Acho que precisaria de férias para me recuperar dessas férias. Nem vi a hora que ela entrou. Quando acordei de manhã, com o tocar dos sinos da igreja chamando para a missa - já era domingo, nosso último dia em Ribeirão, 5:30 h.

Priti dormia com um sorriso nos lábios. Levantei em silêncio, pois iria à Missa e a deixaria dormir mais um pouco. A manhã era clara e fazia aquele frio gostoso de cidade de serra do interior. O cheiro do capim, molhado pelo sereno, associado a um forte cheiro de café fresquinho e de pão recém saído do forno, dava até um arrepio de prazer. Como era domingo, as crianças dormiam até mais tarde e não havia aquele movimento infantil, que eu já começava a sentir falta. Fui até a cozinha e me servi do pão e do café. Guido já estava lá.
 
- Acordou cedo?
- E você nem parece que dorme.
- Eu sempre acordo cedo, antes do sol nascer, para poder desfrutar mais do dia. Quer suco?
- Não. Só café.
- Vai à Missa?
- Vou.
- Mandarei um carro te levar.
- Prefiro ir a pé. Vai comigo?
- Não chega a ser meu hábito, mas não vou recusar a companhia.

Fomos andando devagarinho, enquanto ele me mostrava os lugares da sua infância. Parecia uma criança contando das peripécias, das namoradas e dos amigos. Foi a primeira vez que ele falou dele mais relaxado. A atmosfera da cidade, onde ele passara sua infância, diminuía a expressão retraída que ele tentava esconder. Chegamos e a igreja já estava cheia. A Missa foi tranquila e silenciosa e o sermão falava das bem-aventuranças . Ao terminar sentamos na pracinha para aproveitar um pouco do sol da manhã.

- Hoje é o nosso último dia. A minha passagem de volta está marcada para amanhã cedo.
- Pena.

Estava muito silencioso. Ele só observava o ambiente.

- Gosto muito do Sermão da Montanha .
- Eu também.
- Estranhei você não trazer a Priti.
- Ela ainda não definiu sua tendência religiosa.
- Pensei que você, que sempre foi católica fervorosa, a tivesse educado nessa direção.
- Fiz isso, mas não a forço a nada. Preferi que ela fosse conhecendo as diversas religiões para que, um dia, ela se definisse.
- Também penso assim. Meus filhos fizeram catecismo e tudo o mais, mas depois eles escolheram seus rumos. O importante é a gente saber que alguém criou isso tudo e mandou a mensagem do AMOR, independente dos nomes e da forma como cultuamos.
- Mas você está muito quieto.
- Um pouco de nostalgia de velho.
- Você insiste em dizer que é velho. Só tem 60 anos. Seu pai tem quase 100.
- Mas brotinho é que não sou, né? - disse, soltando aquela gargalhada característica.
- A impressão que tenho é que você sempre quer dizer mais alguma coisa.
- Como assim?
- Você me ensinou muitas coisas, quando eu era adolescente. Cheguei aqui e continuei aprendendo. Mas se eu quisesse um professor, eu voltaria para a escola.
- Isso é crítica?
- Não me leve a mal. Você foi uma das pessoas mais importantes da minha vida e hoje, quando finalmente te encontrei, sinto uma distância muito grande entre nós.
- Oh! Minha amiguinha! Eu não tomo jeito mesmo. Sempre estive perto de você. Vontade de colocar pra fora as coisas não me falta. Só que, atrás de todo esse jeitão fechado, existe um medo muito grande de ficar exposto e deixar as pessoas me conhecerem por dentro. Mas você é diferente. Eu te dei a chave e você sempre conseguiu tocar meu coração.
- De qualquer maneira você está muito esquisito. E, às vezes, sinto que esta chave não abre as portas... Por que medo? Você é um cara poderoso, não precisa ter medo de nada!
- Medo do erro e da crítica. Medo de magoar as pessoas ou não conseguir ajudá-las. Medo da perda. Perdi muita coisa na vida, pelas peças que o destino pregou; outras pelo medo e pelo erro. Faltou coragem, muitas vezes, de seguir o meu coração.
- Mas isso é o oposto do que você sempre pregou. E por que você está assim hoje?
- Lembra da pergunta?
- Aquela que chegou na hora das brincadeiras?
- A própria. Às vezes não sei o que responder. E isso me aborrece muito.
- Duvido muito. Você sempre soube tudo.
- É o que sempre parece. Mas nós não sabemos tudo. Existem muitas coisas por aí para acontecer, que não temos a menor ideia.
- Mas que tanta dificuldade é essa? Com a equipe que você tem, a Fê está aí. O que se passa?
- Leia.

E me entregou um papel com a pergunta.

“Oi! Não vou dizer meu nome. Descobri que meu destino é completamente diferente daquele que minha mãe imagina para mim. Tenho que ir embora e viver a minha vida. Mas amo demais a minha mãe e não sei como dizer isso a ela. Você pode me ajudar?”

Perdi a expressão. Acho que ficar mais pálida seria impossível. Parecia um pensamento meu quando saí de casa. Era a minha história.

- Entendeu a dificuldade?
- E o que você pretende responder?
- Ainda não sei. Mas acabarei chegando a alguma conclusão.
- E se não chegar? Isso já aconteceu?
- Algumas vezes. Mas agora chega. Venha.

E me puxou pelas mãos, em direção a um parquinho onde algumas crianças brincavam.

- Senta e se prepara!

Sentei num balanço e ele começou a me balançar. E eu voava e voava e ele ria e ria.  Subitamente ele freou e eu quase cai, mas fui amparada e ele me pegou no colo e girou mais duas vezes. Agora realmente eu senti uma forte emoção vinda de dentro dele. Uma emoção infantil e alegre. Como ele sempre foi para mim, meio pai, meio professor, mas eternamente uma criança, amiga e encantada!

- Então é isso que os adultos fazem enquanto as crianças dormem???

Priti e Sid saíram de trás de uma árvore onde, provavelmente, estavam há algum tempo.

- Espionando, hein? Isso lá era hora de ser interrompida?
- Talvez vocês queiram experimentar também. Sua mãe gostou muito!
Estou vendo que ela gostou.
- Mas já que é cedo, que tal um último passeio pelas redondezas? - ele retomou aquele tom simpático, porém retraído como sempre.
- Aonde? Mais surpresas?
- Numa fazenda aqui perto. Poderemos ir de bicicleta. Sid, vá em casa um instante e peça para o Sr. Holland trazer 4 bicicletas.

Como um raio, Sid desceu por um atalho e em menos de 10 minutos já chegava num caminhãozinho com as bicicletas, a Fê e a Rafa.

- Pensou que íamos perder essa? A fazenda do “seu” Paulo é sensacional.
- Quem é “seu” Paulo?
- Ele é que fornece nossos alimentos. Tem uma fazenda enorme, com cachoeira e tudo. E nos convidou para almoçar.
- Mas não trouxemos roupa de banho. Nem pensei nisso!
- Ah! Mas eu pensei! Na minha mochilinha, como você disse, não cabia vestido de festa, mas biquíni é que não faltou. E eu trouxe o seu também, mãe! Eu já estou até vestida e sua roupa está aqui no bolso.
- Nessa você me superou fácil!
- Então vamos, porque daqui a pouco o sol estará mais forte e temos que tomar cuidado com a pele.
- Sempre preocupado com a saúde.
- Principalmente vocês, que são do sul e são muito branquelas!
- Sempre implicante com a minha cor transparente.
- É brincadeira de carioca! 
 
 

Eu sou doc

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