Capítulo 11 - Os traumas

O sol já estava bem alto e nem ouvi o galo cantar (se é que cantou)! Olhei para a cama ao lado e vi rosas novas e um bilhete:

“Mãe. Já acordei, tomei café, escovei os dentes e fui passear com o Sid; não se preocupe que ele é muito bonzinho e respeitador. E lindo, é claro! Beijocas. Pri”

Levantei mais que depressa e fui para a casa grande. Fui para a sala de café que já estava vazia, apesar da mesa ainda farta, quando Gui chegou.

- Bom dia, Bela! - e foi logo apertando um botão da pilastra para mostrar aonde minha filha estava.
- Que lugar é esse onde ela está? - perguntei
- No passeio dos bebês.
- Passeio dos bebês?
- Foi ideia das mães. Elas se reúnem quase todos os dias e passeiam em caravana de carrinhos. É muito divertido. As mães mais experientes ensinam coisas às mais novas, em ambiente de harmonia. E, considerando que são de diversos países, os bebês vão ouvindo os mais variáveis sons e vão aprendendo as diversas línguas.
- Por isso é que, no café, eu ouvi os mais variados idiomas.
- Exatamente. E, pelo visto, sua filha está encantada. Olha a expressão!
- Encantada é pelo seu menino!
- Ahahhahahahah... mãe é mãe...
- Já sei! Só muda de endereço!
- Isso. Mas enquanto eles se divertem, vamos ver mais algumas coisas para o seu livro.
- Mais coisas? Acho que eu tenho material para uma enciclopédia!
- Quando eu comecei a prestar atenção nos adolescentes, logo me deparei com as “encanações”. Mas eles não chegavam com esse tipo de história.
- Pensei que falassem das crises...
- Só os mais velhos. Os mais novos, e nisso as crianças pequenas e até os bebês estão incluídos, apareciam doentes.
- Doentes? Como assim?
- Demorei para descobrir. Surgiam febres inexplicáveis, dores variadas sendo a tal da “dorzinha de barriga” a campeã das campeãs; dores de cabeças, vômitos, vinha de tudo. E a gente ficava doido tentando descobrir as causas.
- E como você descobriu?
- Alex me ajudou.
- Quem é Alex?
- Lembra do psicólogo que me dava apoio com as crianças no hospital?
- Lembro.
- Pois é! Ele mesmo. Começamos a estudar, a partir do momento em que algumas crianças, que eram acometidas de doenças orgânicas facilmente tratáveis, evoluíam muito mal. E outras, às vezes mais graves, evoluíam muito melhor.
- E o que era isso?
- Falta de vontade de viver!
- Mas isso não é depressão?
- Passa perto, mas acho até mais grave, pois a gente via em crianças que são as criaturas que mais querem viver, que existem. [...]
- Interessante. E o que mais?
- Os maus tratos.
- Mas isso é crime!
- Quando você consegue detectar. Uma lesão física, uma agressão sexual é muito evidente e leva a sequelas psicológicas terríveis. Mas quando a lesão não é física, o diagnóstico é muito mais difícil e o “agressor” nem imagina que está agredindo.
- Como assim?
- Um menino adora balé e quer estudar para ser bailarino... Imagina a crise na nossa sociedade machista? Rapidamente tratam de tentar tirar essa ideia da cabeça dele ou, no mínimo, não recebe o menor apoio. Isso é uma agressão. Se a vontade de ser bailarino realmente for muito forte, tipo vocação, ele pode perder toda a vontade de viver (claro que isso é um extremo). Como alternativa, pode tornar-se um menino rebelde e provocar mil e uma confusões para chamar a atenção.
- Mas como a gente evita isso? Os pais têm culpa?
- Não necessariamente. Só que as crianças precisam ser melhor observadas, para que tais coisas sejam evitadas. As crianças transmitem seus sentimentos desde a barriga da mãe. O choro é o primeiro sinal sonoro de que algo não vai bem. Às vezes são insaciáveis e até nisso devem ser observados. A escola ajudaria muito, na época, se a psicologia escolar fosse mais preventiva do que curativa.
- A aceitação da psicologia sempre foi difícil.
- Criou-se o mito de que só deveriam ir ao psicólogo aqueles considerados malucos. Só que o psicólogo tem condições de observar detalhes, inerentes à profissão, que passam normalmente despercebidos. E orientar pais e professores no desenvolvimento das aptidões das crianças, evitando tantos adolescentes perguntadores e tantas dores de barriga. E tantas mães e pais descontando frustrações em seus filhos. Hoje, a ideia já está lançada, mas não necessariamente seguida de maneira universal. A história da humanidade é vista de modo contínuo em todas as partes do mundo. O que hoje é tecnologia de ponta em alguns lugares, pode estar completamente ultrapassada em outros.
- Entendo.
- Vamos passear? Já falei demais. Que tal um piquenique?
- Só se você deixar eu fazer a cesta.
- Com certeza. Eu não tenho a menor paciência.
- E onde vamos?
- Ao passeio dos bebês. Lá, a gente encontra os meninos.
 

Eu sou doc

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