Capítulo 10 - As estrelas

Eu não entendi muito bem o que ele quis dizer, mas, enfim, tudo para mim era uma grande surpresa. Nunca poderia imaginar que, a partir de um bate-papo na antiga Internet, eu iria estar num lugar desse. Uma tecnologia de última geração, cercada de coisas simples e eficientes. Falamos de AMOR, sexo, educação infantil, tudo de uma forma tranquila, com um ambiente que só não era mais rústico porque guardava a tecnologia atrás das portas dos armários. Um homem muito diferente, que sabia de tudo e dizia que eu tinha a chave!
 
Já eram quase 21horas e nos foi servido um rápido lanche, até porque ninguém aguentava comer mais nada.

Entramos no terceiro chalé. A noite de lua cheia invadia o pequeno salão iluminado apenas por um lampião a querosene. Na janela, uma pequena luneta apontava para o céu.

- É aqui que me distraio tentando entender como é a vida daqueles que não tem teto. Somos altamente privilegiados.
- Sem dúvida a visão também é privilegiada – disse eu, colocando um olho na luneta...
- Mãe... olha o elefante...
- Que elefante? E no meu tempo era mico que se falava...
- Você acha que a gente vê estrelas colocando o olho em uma lunetinha desse tamanho?
- Abra o armário – ele falou para o garoto.

Lá de dentro saiu algo que me pareceu uma tela líquida, porém sem limites definidos.

- Vamos entrar... Esse equipamento eu ganhei de um guri de 12 anos que vive em Marte
- Em Marte? Desde quando alguém vive em Marte? – disse Priti, achando aquilo tudo uma grande encenação.
- Há mais tempo do que se sabe!
- E quem mora lá? - dessa vez eu é que perguntei.
- Adolescentes! Para ser mais exato, meninos de rua!
- Meninos de rua? - ambas perguntamos.
- Há muitos anos que a pobreza vem atormentando diversos países do mundo inteiro, sem solução. A população de rua aumenta em progressão geométrica. E quem mais no mundo vê as estrelas?
- Sim, mas daí a haver adolescentes em Marte já é demais, você não acha?
- Então vamos conhecer.

Entramos naquela tela líquida e saímos em um campo verde que, depois observei, era o interior de uma cúpula, porém sem limites definidos. Rios, lagoas e cachoeiras. Muitos garotos e garotas brincando, sem se incomodar com a nossa presença. Pareciam as cenas que a gente via nas pracinhas com chafariz das grandes cidades só que num ambiente paradisíaco.
Andamos uns quinze minutos e encontramos uma vila de casinhas de madeira, todas iguais porém com uma característica: não tinham nem teto e nem telhado.

- O ambiente aqui é todo climatizado e não há chuva. Tudo que existe vem do solo e foi projetado justamente para que essas crianças vivessem conforme seu passado... livres. As doenças não existem. O amor e o sexo são francamente monogâmicos. A partir de determinada idade, e isso é variável, eles encontram seus parceiros como um acaso e vivem felizes o resto da vida que, por sinal, deverá ser bem longa, nestas condições. Como são jovens, ainda são a primeira geração e não existem bebês.
- Então é o paraíso! – disse Priti encantada.
- Talvez bem perto disso, mas falta muita coisa.
- E como isso tudo surgiu?
- Da observação das estrelas. Lembra do livro que falava dos meninos de rua? O Imperador da Ursa Maior?
- Mas aquilo era bem próximo da nossa realidade!
- Sem dúvida, um livro contemporâneo mas, um dia, um menino viu algo mais brilhante se aproximando dele. O algo era uma luz de energia e ele veio parar aqui. Recebeu instruções e retornou para buscar outros que quisessem arriscar. Ao chegar, a sensação deles era tão boa
que toda a maldade era apagada de seus corações. Um dia um deles me escreveu uma pergunta falando sobre o lugar. É claro que eu não acreditei. Aí, ele me mandou o equipamento com instruções de montagem.
- Mas nós estamos aqui mesmo? - perguntou Priti.
- Como você se sente?
- Muito bem.
- Então estamos – respondeu.

A resposta não satisfez, mas também não fez diferença. Ela andava de um lado para o outro, como se procurasse alguma coisa. Subiu em árvores, pulou no rio, enquanto Sid observava atento seus movimentos.

- E qual seria o objetivo de todo esse processo? Só dar conforto aos menos favorecidos? -perguntei.
- Fazer modelos.
- Modelos?
- Sim. Quase tudo que está aqui poderia ser criado com a tecnologia. Evidente que levariam décadas, talvez séculos ou milênios, mas o principal objetivo da humanidade deveria ser cuidar dos jovens e dos menos favorecidos que acabam nas ruas devido às condições adversas que vivem. Ainda existe muita terra boa onde vivemos, mas as oportunidades estão nas mãos dos grandes. Cada um poderia plantar uma semente de solidariedade. Já existe isso em vários lugares, mas o crescimento da população de rua – os chamados fugitivos sociais - é em progressão geométrica. Mas agora temos que ir. O equipamento só permite uma visita de poucos minutos

Retornamos pelo mesmo caminho, porém houve um certo enjoo no retorno, e só me lembro de acordar de manhã sem ter a menor ideia de como fui parar na cama.

Eu sou doc

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