"Se arrepia, já era"

Capítulo 4 - O Amor 

Enquanto Priti explorava o ambiente, continuamos a conversar, sentados em frente a uma das telas. 

- Mas me diga: como você foi parar na Índia?
- Bom, quando as férias de verão de 2000 estavam acabando, pedi para os meus pais, de presente de 15 anos, uma viagem à Índia para visitar a minha irmã Cecília que já estava morando lá. Eles toparam e o combinado é que eu passaria 15 dias. Só que me encantei pelo lugar - tive a impressão que eu era um passarinho fora da gaiola - e não quis voltar de jeito nenhum. Meus pais ficaram doidos e foram para a Índia me buscar, só que eu adoeci e não pude retornar imediatamente. Os médicos recomendaram repouso e contraindicaram a viagem pois eu estava muito estressada. Meus pais voltaram para o Brasil, muito magoados, e eu fiquei com minha irmã. Aos poucos fui me recuperando e durante o tempo de repouso continuei um trabalho que havia começado no meu primeiro dia na Índia: escrever!
- Esses livros?

Aí ele abriu um armário e me mostrou toda a coleção...

- Quero um por um autografado! Mas sua história é uma loucura! Eu fiquei por aqui sem saber grandes coisas. Nessas férias você estava muito estranha nos raros e-mails que me mandou e, de repente, sem motivo aparente, não escreveu mais. Eu mandei vários e nunca tive resposta. Achei que algo errado acontecia.
- Mas foi você quem parou de escrever. Disse que explicaria numa carta.
- Eu???!!?
- E eu tive vários problemas. O computador pifou, o número do telefone foi trocado e eu estava meio doidinha mesmo. Aí viajei.
- Pois é! Só soube da viagem quando seu pai me mandou uma carta reclamando dos meus palpites para você, mas eu nem imaginava o que estava acontecendo. Achei que ele estava cortando as nossas comunicações e respeitei pois sabia que, um dia, a gente ainda ia se encontrar.
- Mas foi você que... ah! deixa pra lá! Aí eu fiquei por lá e não voltei mais. Nunca me esqueci de você, mas achei que você tinha ficado muito zangado com meu sumiço.
- Casou, mudou e não comunicou - coisas de adolescente! E como foi a história do SAPO?
- Eu estava na Índia já há 4 anos sem notícias dele até que, no meu aniversário de 19 anos, recebo um telefonema de uma secretária de um certo Sr. Arthur me convidando para um almoço de negócios a respeito de meus livros. Estranhei porque era de uma firma de informática mas, como patrocínio não se dispensa, fui ao tal almoço (além do mais o restaurante era o mais fino da cidade!). Aí, lá, eu dou de cara com o SAPO. O resto você pode até imaginar!
- Eu nem imagino. Conte e me tire essa curiosidade!
- Bom, quando eu cheguei perto e vi que era ele, fiquei uma fera e fui logo dizendo que era um absurdo ele usar um artifício para que eu viesse ao encontro, que ele podia dizer que era ele de uma vez...
- Mas se ele dissesse que era ele você iria??
- Ah! Sei lá! Mas eu estava bem danada!
- E aí?
- Aí ele me pediu calma, convidou-me para sentar, se levantou e puxou a cadeira...
- Muito educado, né?
- E lindo! Um terno de linho azul, uma gravata impecavelmente arrumada, uma camisa também azul, só que mais clara, cabelos arrumados, barba feita e quase dois metros de altura. E os olhos verdes que a Priti herdou...
- E você sentou, é claro!
- Claro, irresistível. Ele mudara muito, desde os tempos de garoto de jeans surrado e tênis velho.
- Mas, até aí, um almoço comum e educado...
- Exato! Ele contou que me procurou durante um tempão lá na Índia e disse que foi para lá por minha causa e, lógico, aproveitando a presença de um tio dele por lá. E nisso eu fui babando, babando.
- Você sempre foi louca por ele.
- Você é que dizia isso!
- Mas, pelo visto, eu estava certo!
- Você acertava sempre.
- Às vezes, somente... Mas e aí?
- Bom, jantamos, conversamos e você nem me pergunte sobre o que, pois eu nem me lembro qual era o menu. Eu só ficava admirando aquela figura de meus sonhos.
- O sapo virou príncipe!
- Nos dias que se seguiram, a gente saía direto. Até que, no final de uma semana, ele, meio sem graça, falou que queria que eu fosse a mãe dos filhos dele.
- Mas eu não te falei pra usar camisinha?
- Calma... Eu casei com ele! Mas quando ele veio com esse papo, eu achei que era uma cantada das mais vulgares. Já ia quase me levantando, quando ele tira do bolso uma aliança de noivado com o nome dele gravado e me entrega. “- Pronto, consegui entregar! Quer casar comigo?”
- E você aceitou de cara!
- Nada disso! Eu me recostei na cadeira, tomei um copo d’água, e ele ficou mais sem graça ainda. Aí eu levantei, ele levantou também, olhei pra ele e mandei-lhe um beijo cinematográfico, que tirou aplausos das pessoas em volta.
- Nossa! Que cena! Mas vocês eram muito jovens, como casariam?

Realmente foi um loucura. Em menos de uma semana tudo ficou pronto. Enquanto eu conversava, as cenas se passaram na minha cabeça como um filme...

- “Ciça, vou casar!
- Você pirou de vez? Que estória é essa?
- Arthur me pediu!
- Mas assim, sem mais nem menos?
- Isso!
- Oh! Minha irmã! Eu fico super feliz. E quando vai ser?
- Em uma semana!
- Uma semana? Você endoidou mesmo!
- Nunca estive tão lúcida!
- Bom, já que não tem jeito... deixe eu te dar um abraço e vamos aos preparativos! As revistas de vestidos... vamos olhar! Veja este; que tal?
-Lindo e rápido de fazer. Branco, não muito ornamentado, mas cabe direitinho nos meus sonhos.”

Meu casamento! Da minha família, só minha irmã. Casamos no Consulado do Brasil, em uma cerimônia civil e sem festa. Mas, realmente, a cerimônia foi muito bonita. A Índia serviu de Catedral, pois foi o local do nosso reencontro, do meu encontro comigo mesma, do dele, e foi lá que aquele sentimento, sempre presente em toda a minha vida, mas de certa forma sufocado, aflorou de vez. Estava tão nervosa, meu coração parecia que saltaria pela boca.

Arthur conseguia estar mais bonito, seus olhos verdes brilhavam, dentro de uma roupa muito formal, terno e gravata de tonalidades escuras. Eu sei que, ali dentro, batia um coração acelerado, apertadinho, o mesmo que deixou cair uma lágrima quando eu entrei no salão do Consulado. Entrei sozinha e o cônsul, muito simpático, nos fez jurar o “até que a morte os separe” e saímos de lá casados.

Acordei rápido de minhas lembranças para poder responder ao Gui:

- Ele estava fazendo faculdade e trabalhando para o tio que, era dono dessa firma de informática na Índia! Ele deu muita sorte na escolha, pois a Índia era um paraíso tecnológico com escolas de formação técnica e universidades excelentes. O mercado de softwares estava em franca expansão e, desta forma, rapidamente conseguimos dinheiro para tudo. E aí, um ano depois, apareceu essa figura aqui...

Priti se aproximou, mas só ouviu o final da conversa.

- Que papo é esse de vocês, hein?

- A historia da sua mãe e do seu pai é uma grande prova de que o AMOR vence distâncias.
- Na verdade tive a sensação que, naquela hora, estava mais perto de Deus; amar é o maior dom que recebemos; é o que nos tira da mesmice e da mediocridade. Naquele instante eu sentia o amor de uma maneira tal, que até dava para tocá-lo. O sentimento era tão intenso, que até doía um pouco. Flutuei. E é este elo que nos mantém unidos até hoje, não mais a paixão, que dava frio no estômago, mas o amor que me leva de encontro aos braços dele. Nada mais posso querer. Espero que meus filhos possam sentir isto um dia.
- Tenho que confessar que, quando mamãe me contou, eu quase chorei.
- Essa aí reclama mas, de vez em quando, aparece toda apaixonadinha... É uma romântica que nem a mãe.
- Mãe! - Priti não escondia a insatisfação com meu comentário.
- É... ahahahahaha... o tempo passa e eles são idênticos.
- Mas não mudou nada? Os adolescentes são iguais?
- Muito pouca coisa... Veja só... sobre o Amor... olha as perguntas que eu recebia.

Ele pediu um arquivo a um dos funcionários e Priti ficou observando o movimento. As perguntas iam passando numa tela pequena perto de nós. Falavam de métodos para conquistar garotos e garotas, dúvidas sobre como contar para a mãe que a menina estava namorando, vários tímidos que não sabiam como se aproximar de alguém, como beijar, namoro na Internet; era tudo muito interessante.

- Ou seja! Sempre as mesmas dúvidas. Há 20 anos eu dei algumas sugestões genéricas que estão no arquivo... Priti, meu bem, abre o arquivo Manp2, s’il vous plait?
- Como você sabe que ela consegue abrir? - disse eu, mal conseguindo disfarçar uma pontinha de ciúme... Afinal ele também falava assim comigo, “meu bem”. E ainda jogando charme em francês!
- As crianças de hoje sabem qualquer coisa! Ela é muito observadora e nossos assistentes não se incomodam de explicar.
- Pronto! Está aqui!

Ele conseguiu desviar a atenção dela da minha observação inconveniente e ela se interessou mais pelo assunto.

-Veja o que escrevi na época...

“ Para os garotos: Se você é tímido ou está meio sem jeito, às vezes arrumar uma amiga, que também seja amiga da sua paquera, seja uma boa alternativa (mas tome cuidado para a amiga não virar paquera também, pois aí a coisa vai ficar bem esquisita!)

Para as garotas: O tempo passa, o tempo voa, mas ainda quem toma a iniciativa é o garoto... e aí é que está o perigo! E se o garoto não tomar a iniciativa? Sinceramente? Se ele valer a pena, encosta ele na parede, cuidado com o muro... Bom, veja as respostas abaixo.

Na Internet: Todo o cuidado é pouco. Se os namoros ao vivo já são encrencados, sem você ver a pessoa é problema muito maior. Vou dar um rápido exemplo. A minha idade é de... pois é, não vou dizer! Mas e se eu entrar num bate papo e falar que tenho 15 anos? Como alguém vai descobrir? Então, olho vivo, tá?

Para te dar algumas dicas: Dois livros a saber: O Imperador da Ursa Maior de Carlos Eduardo Novaes (bom para os tímidos) e Amor sem beijo de Cristiane Costa (bom para a turma, na dúvida de namorar o amigo). E pra quem tem problemas com invejosos, leiam Mal Secreto (Inveja) de Zuenir Ventura.”

- Essa edição eu cheguei a ler! Mas o que leva o adolescente a tanta dúvida?
- A criação preconceituosa, cheia de tabus e medos. As coisas socialmente corretas hoje, não, necessariamente, eram corretas há 50 anos. No início do século 20 uma menina de 13/14 anos já estava “preparada” para o casamento, no geral, já arranjado pelo pai. Até antes, a coisa funcionava assim. Lembra de Romeu e Julieta?
- Eu li o livro na escola e amei! – disse Priti
- Julieta só tinha 14 anos. E todo aquele amor!
- Eu tenho 15 anos.
- E já encontrou Romeu?
- Ih! Bobo!
- Menina! Não repare, Gui, ela não é mole...
- Ahahahahaha. Mas veja; 14 anos e ela já amava daquela forma! Isso só vem para reforçar que amor não tem idade, não é mesmo? Pena que as pessoas só acreditem que os adultos possam amar e esquecem dos mais novos.
- Realmente o preconceito sempre foi um problema.
- Entre outros vários. Por exemplo: o sexo dentro de casa já foi considerado exclusivo para a procriação. E o sexo pelo prazer era reservado aos homens, que procuravam as casas de prostituição. E isso era tolerado, pois tais atitudes em casa eram até rotuladas de pecaminosas. E por aí vai! A partir da psicanálise, do entendimento da sexualidade como uma coisa normal do ser humano e da mudança social do homem, que passou a entender o verdadeiro papel da mulher na sociedade (o que não ocorria, necessariamente, nos anos 90), temos, hoje em dia, que o sexo é praticado de maneira bem mais sadia e sem tabus. As crianças passaram a receber educação sexual desde a escola primária e os adolescentes, aos poucos, foram ficando menos encanados. Você mesmo tinha muita dúvida. Uma parte eu fui tirando dentro do possível...
- E por que havia tanta coisa atrapalhando?
- Porque a educação era uma repetição dos conceitos que vinham dos próprios pais. Veja só, sua mãe nasceu em 1985 mas recebeu a educação de seus avós que nasceram em 1952. Hoje estamos em 2020 e você poderia vir a ser educada com conceitos que foram criados há 70 anos! Só que o mundo anda mais rápido que o desenvolvimento das gerações e é difícil acompanhar por completo. Sempre fica alguma coisa do passado. O sentimento é um só mas a maneira de lidar com ele é que muda.
- Quer dizer que minha mãe me ensina coisas de 70 anos atrás?
- Não! Sua mãe é uma das exceções! Foi curiosa e valente! Procurou aprender. Perguntava muito e tinha acesso aos livros; não foi muito rebelde e agia com inteligência para resolver os problemas. E tinha um bom coração!
- Ainda tem...
- Com certeza...
- Mas como os pais devem se comportar?
- Eles são responsáveis pelo modelo inicial e pelas informações. Evitar criar mentiras e preconceitos; não reprimir a descoberta do sexo pela criança; entender que, além de filho, a criança é um ser humano completamente independente, que está surgindo com vontades e sentimentos próprios; evitar competições (isso é mais comum entre mãe e filha) e evitar passar para os filhos as próprias frustrações. Dessa forma já ajuda muito. Ser pai e mãe não é fácil, e a gente também tem que entender que errar é humano, eles não precisam acertar sempre, só não podem parar de tentar!
- Mas como a gente resolve as dúvidas se o cara tá a fim ou não?
- Ahahahahahahahah! O tempo resolverá... Enquanto isso, siga as regras da sua época. Já houve tempo em que “FICAR” era sinônimo de liberdade excessiva; se fosse uma menina, ficava mal falada, etc. Nos anos 1990 era a coisa mais natural do mundo. Hoje em dia vocês já combinam antes as coisas... Agora, adivinhar o que os outros sentem, isso nenhuma tecnologia resolveu!
- Nem a sua Internet?
- Não, mocinha! A Internet diminuiu as distâncias, mas criou outras dúvidas. Tornou-se ótima para os tímidos, mas fez proliferar os perversos que se faziam passar por outras pessoas só para fazer o mal. Hoje isso já é impossível, porque a tecnologia já resolveu. Ao invés de teclas, temos comando de voz... ao invés de letras na tela, podemos encontrar com as pessoas nos mundos virtuais e vê-las com imagens holográficas e sem riscos de nos machucarmos fisicamente; mas, naquela época, era no risco mesmo! E você? Tem muitos namorados? Conta tudo pra sua mãe?

Há muito tempo eu não via Priti tão roxa de vergonha! Toda aquela coragem e destemor caíram por terra com a pergunta!

- Ahahahahahahahaha! Não precisa responder... Era só para mostrar que essas perguntas ainda causam a mesma reação que há 20 anos atrás...
- Fique tranquilo... Apesar da vergonha aparente, a gente conversa muito sobre o assunto e ela não me esconde nada. Desde o primeiro namorado, ela sempre me conta tudo e a gente vai discutindo a medida que as coisas vão acontecendo.
- É o melhor processo. Como a escola hoje em dia também faz o seu papel que é, realmente, o de formar as futuras gerações, relembrando os antigos conceitos e comparando com os novos, está ficando mais fácil...
- Mas afinal o que é o AMOR? Isso você ainda não explicou! - perguntou Priti.
- Segundo o dicionário, AMOR é um substantivo masculino que significa: “Afeição profunda de uma pessoa a outra.” Viu como era fácil responder?
- Ah! Você está me enrolando!
- Menina!- Ah! Mãe! Me deixa!
- Ahahahahah! Deixe Bela! Mas podemos falar também que “o AMOR é um grande laço, um passo pra uma armadilha...” “... que não seja eterno, posto que é chama,mas que seja infinito enquanto dure” e que “O medo de AMAR é o medo de ser, livre para o que der e vier, livre para sempre estar, onde o justo estiver.” Na música popular brasileira temos várias definições e usos. O primeiro falou Djavan; o segundo falou Vinícius e o terceiro falou Beto Guedes. Esses caras eram o máximo, na minha época! Mas vou usar uma outra definição: se você olha para alguém e, de repente, sente uma emoção diferente, as pernas tremem, o coração parece que vai sair pela boca e pinta um arrepio (“se arrepia, já era” - Melim... essa citação não está no texto original) meio estranho, é bem provável que você esteja amando esse alguém. E, a partir daí, o mundo parece que muda completamente. Tudo é belo, perfumado e cheio de canções. Aí, quando esse alguém passa, seus olhos brilham e você mal consegue falar com ele. E quando ele está longe você, fica triste como se só existisse um dia chuvoso à sua volta. E essa chuva só passará quando você concluir que isso que você sente é o AMOR!

Eu sou doc

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