Capítulo 8 - As mães

- Então, vamos passear também?
- De charrete?
- Não, vamos a pé mesmo... até a casa de meus pais...
- Seus pais ainda estão...
- Sim, claro! A medicina evoluiu muito. Várias doenças não existem mais e associando-se isso ao clima fantástico dessa cidade, estão lá firmes e fortes. Meu pai até voltou a jogar futebol e minha mãe tem uma fábrica de roupas de bebês. Isso já foi por minha conta, é claro.

Descemos a ladeira e chegamos rápido à casa dos pais dele. Lá, o almoço estava sendo preparado e enquanto isso, o avô jogava futebol com uns meninos. Apresentações feitas, nos instalamos na confortável varanda dos fundos, de onde se ouvia um riacho.
 
- Almoçaremos aqui... As crianças farão o almoço lá em casa!
- Os dois juntinhos? Isso não vai dar certo...
- Fique tranquila.

E apertou um botão numa das pilastras de madeira da varanda, de onde surgiu uma tela com opções de visão de toda a cidade.

- Daqui a gente controla tudo via satélite; veja o passeio dos dois.
- Sentados numa pracinha? Aquela da igrejinha? Parece a minha cidade antiga.
- Excelente para namorar... ahhahhahhahahahah; mas eles estão muito comportados... ahhahahahahaha.
- Ela não está muito acostumada a essa calmaria romântica...
- E você não larga do pé dela, né?
- Não tem outro jeito... Não foi você que falou que meus conceitos têm quase 70 anos?
- Certamente! – ironizou - mas você mudou... tudo mudou... só eles é que não mudam.
- Mas como fazer? Por mais que a gente tente, não repetir o que nos foi ensinado de maneira equivocada, é muito difícil...
- Algumas coisa amenizam. Veja: se você cria uma afeição grande com seu bebê, a relação será sadia e assim continuará. À medida que ele cresce e você não cria nele medos desnecessários, ele fica cada vez mais curioso e valente. Entretanto, sempre vai testar os limites e você vai explicando o porquê das coisas. Há necessidade, porém, de saber que, a partir dos filhos, algumas limitações para os pais vão surgir.
- Como assim?
- Você, por exemplo, adorava festas...
- E adoro até hoje...
- Mas sempre era encrenca na certa, pois você corria o risco de seu pai não deixar você ir ou não haver ninguém para buscar...
- Mas eu acabava indo!
- Porque seus pais confiavam em você, a cidade era pequena e todos se conheciam.
- É, mas nas cidades maiores, certamente era mais complicado. E os pais sempre acabavam dificultando a vida das crianças nesse sentido, apesar da gente saber que eles tinham suas razões. Tentei não ser assim, mas sinto falta das minhas festas. Com os filhos, a gente fica muito limitado, realmente.
- Então, é só mudar a sua limitação.
- De que jeito?
- Durante um tempo, você vai ter que adorar levar os filhos às festas, ficar do lado de fora e depois curtir com eles as fofocas da festa. E isso pode te satisfazer muito bem. Pode ser até que eles deixem você ir a algumas. Quando são pequeninos, então, fica bem mais fácil, porque eles não reclamam. Só que você passa a gostar de festas infantis que, na adolescência, são detestáveis. E como o que interessa é festejar e o importante é participar, somem as encrencas. Da mesma forma com cinema e teatro. Até eles crescerem, só desenhos animados, que você sempre gostou muito, e peças infantis. E tudo é cultura, igualzinho. Fora os shows... mas aí tem uma vantagem: ao contrário da época adolescente, você fica num camarote e os filhos ficam pulando na pista livre. Isso, naturalmente, se você não aguenta mais ficar pulando. Mas existem algumas regras...
- Quais?
- Lembrar que a vez é a deles. Nunca entre em competição com eles!
- Competição?
- Sim; competição!
- Como assim?
- Na maioria das vezes, naquele tempo, as meninas mais encrencadas eram aquelas que as mães não aceitavam o crescimento. No seu caso, por exemplo...
- Meu caso?????
- Você pouco envelheceu, é uma mãe novinha, com uma filha adolescente e linda... não vejo o menor sinal de competição. Ela é inteligente, independente, super bem arrumada e te respeita pra caramba...
- Andamos juntas pra cima e pra baixo e corre tudo bem!
- Exatamente! E é assim que deveria ser sempre. Mas o que observávamos é que as meninas, eventualmente, eram “massacradas” pelas mães, que não se conformavam em perder a juventude para a própria cria e tentavam, dessa forma, se “vingar” dos limites a que foram submetidas na infância e adolescência, repetindo os mesmos erros.
- Limites. Sempre os limites. Mas tem que haver limites...
- Com certeza! Mas limites demais geram desconfiança e mentira. Era comum, na época, ao contrário do que era ensinado para os meninos (se é que era ensinado alguma coisa a esse respeito), colocar uma idade para as meninas começarem a namorar...
- Ih! Isso dava a maior encrenca...
- Criava era uma grande mentira. Quando a sexualidade aflora, é impossível colocar qualquer freio, mesmo que seja aos 9, 10 anos. E já que a mãe ou o pai não deixavam namorar, antes de alguma idade pré determinada, a menina mentia e fazia tudo escondido e sem orientação, daí outros problemas.
- E tinha muita menina que começava a namorar com 11/12 anos... eu beijei a primeira vez com 13...
- É, eu lembro dessa história. Foi até para o jornal, não foi?
- É mesmo! Quando meu pai leu o artigo que escrevi ficou com aquela cara... mas a minha mãe sabia de tudo.
- Fruto da sua boa educação; e lembre-se que você era exceção em muitas coisas. E diria até que você era muito mais esperta que as meninas da sua época. Eu também acho que, na época e para a época, a sexualidade estava se desenvolvendo muito cedo, talvez fruto de tudo o que não era feito com as crianças. E um bom livro que exemplificava parte dessas encrencas está no CD que te dei
- A Ostra e o Vento?
- O próprio! A menina do livro, a Marcela, vivia numa ilha isolada, onde o pai era o faroleiro e só havia mais uma pessoa por perto que era o Daniel, o ajudante do farol, que também servia como um orientador da menina. Com o isolamento, ela cria um amigo imaginário, que era o vento, onde ela desenvolvia seus sonhos. A representação que o texto queria dar era a adolescência surgindo embaixo de uma absurda repressão. Evidente que era um extremo, mas muitos pais gostariam de manter suas filhas em uma ilha sem mais ninguém e sem chances de se conseguir chegar ao continente. Quando começamos a trocar e-mails, eu tive a impressão que você poderia ser uma menina como a Marcela da “Ostra” mas depois vi que não chegava a tanto.
- E você seria o “Daniel”?
- Só que você não criou um amigo imaginário como ela fez com o vento. Você tinha vida própria. E no momento certo você conseguiu “chegar ao continente”.
- E no caso dos meninos?
- Haviam os meninos sem maiores encanações. Os mais complicados eram geralmente tímidos, ou “machões”, ou ambos. O importante na educação de todos eles, seria desenvolver suas aptidões, já que eles eram socialmente livres mais cedo, e não criar preocupações quanto à masculinidade. Dessa forma seriam mais sinceros com suas namoradas e o relacionamento seria mais sadio. Se o menino não tem que mostrar pra ninguém que é “macho”, não vai querer transar com a primeira namorada que aparece. Vai procurar o AMOR que é a mola mestra da existência!
- Sem dúvida! Isso é o mais importante!
- Mas também o mais difícil pois esta visão tem que vir da sociedade como um todo e aí é que está a dificuldade.

- “Crianças vamos almoçar!” – disse o avô

- Posso ter a idade que eu tiver que, para ele, sempre vou ser criança... Também ele pode falar o que quiser... tem quase 100 anos de existência...ahahhahahahahah. 
 

Eu sou doc

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