Capítulo 21 - A festa

Passamos a tarde na casa grande. Arthur finalmente dera uma chance para que Priti ficasse sozinha com Sid, até porque eu quase o amarrei na mesa quando as crianças se levantaram. Era nítida a ponta de ciúmes dele com a filha, mas teceu os maiores elogios ao menino durante o almoço. Rô e as outras crianças se esbaldaram de tanto brincar. Espaço era o que não faltava. E tudo com a supervisão da Julya que, por sua vez, também brincava com eles. Guido estava muito animado. Acho que as coisas que ele falou fizeram bem. A expressão tensa havia desaparecido.

- […] A Fê estará aqui logo mais?
- Não, só a Rafa e o namorado dela. A turma se junta mais no Natal. Ano Novo tem muita festa por aí, no Japão é muito animado e as crianças dela preferiram. Arthur ficará o fim de semana?
- Infelizmente vou embora pela manhã. Mas Bela fica e segue depois com as crianças. Você não quer mandar o Sid junto? Ele está de férias, não está?
- Ele vai adorar a ideia. Mas ele prometeu para os avós que passaria uns dias com eles no Paraná. Mas será só uma semana e depois ele pode ir, sem problemas.
- Nossa, Priti também vai adorar. E pelo visto Arthur gostou muito dele.
- É um menino excepcional. Ainda jovem mas de muito futuro.

O futuro... Quem pode dizer o que acontecerá no futuro? Só Elle, a misteriosa mãe de Sid conseguiu prever. Pena que ela não pode mais estar conosco. Gostaria de tê-la conhecido.

A festa de Ano Novo foi toda montada na pracinha inferior da cidade. O tema era a China e, desta vez, não houve problema com roupas, pois os trajes típicos foram cedidos pela comunidade chinesa de Ribeirão. 

A pracinha tinha 4 acessos. A partir do inferior iniciou-se um desfile, com os dragões característicos, que alegrou as crianças. Muito barulhentos e soltando fumaça pelas narinas, avançavam nas pessoas e causavam gritos nas crianças que adoravam a brincadeira. Pequenos busca-pés e estrelas de artifício eram soltos à sua passagem. Os chineses aperfeiçoaram a técnica dos fogos de artifício substituindo a pólvora e o fogo por um gelo seco especial, que vinha em cápsulas ou em bolinhas e que davam um belo efeito, semelhante aos fogos de antigamente. Com a grande vantagem de que ninguém saía queimado.

No acesso superior havia uma escadaria que foi transformada em arquibancada, de onde assistíamos tudo confortavelmente sentados. O momento máximo foi um desfile simbolizando o nascimento do Ano Novo, com a apresentação de um recém-nascido por um casal jovem. Era a festa da fertilidade que desejava um ano próspero para todos. A música era orientada pelo Sr. Holland e a letra falava de vida, trabalho e alegria. As vozes do coro ecoavam por todo o lugar. Foi um espetáculo inesquecível.

Ao término, já era meia-noite e um balão, que estava escondido na escuridão do céu, soltou várias bolas cheias do mesmo material brilhante e colorido, iluminando todo o céu. O barulho, que o rompimento das bolas causava, era mais suave que as explosões de antigamente, mas dava um bom efeito sonoro.

Após esse espetáculo, todos se cumprimentaram e saudaram o Ano Novo. E a ideia era saudar o Sol também, esperando que ele nascesse, mas Arthur viajaria logo cedo e, com muito sacrifício, consegui convencê-lo a deixar as crianças na festa e ir dormir. Priti não me perdoaria se eu não a ajudasse. O pai se despediu das crianças e agradeceu muito ao Gui. 

- Graças a você, hoje somos uma família. E, pelo visto, acabaremos por unir mais ainda nossa amizade.
- Boa viagem pra você. Sr. Holland os levará. As crianças ainda se divertirão mais um pouco.

Ainda ouvimos muito barulho durante a noite e vários clarões. Uma chuva se aproximou e houve um grande contraste entre os trovões e a claridade das bolas. Exaustos, dormimos o resto da noite.

Pela manhã, Arthur levantou antes do sol nascer. Já havia um carro a sua espera.

- Espero você no domingo. Aproveite esse fim de férias.
- Oh! Meu amor, que pena que você já vai.
- Não precisa se levantar. Acho que a festa foi boa mesmo, pois as crianças nem chegaram ainda. Cuide deles como sempre. Estarei te esperando, morrendo de saudades...

E voltei a dormir. Lá pelas nove horas, levantei e fui à busca das crianças. “Devem ter ficado na casa grande para não perturbar a gente” - pensei.

O dia estava claro e não havia sinais da chuva da noite anterior. Tudo estava muito silencioso, mas Guido já estava na varanda, sentado na cadeira de balanço.

- Oi, Bela, gostou da festa?
- Uma coisa muito linda. E as crianças?
- O Rô ficou na casa dos meus pais com meus netos. A Priti dormiu no quarto com a Rafa. Devem estar dormindo até agora.
- Bom dia! Já tomaram café? E nem me esperaram, né?
- Oi, Rafa! A Priti já acordou?
- Acho que sim. Vi a cama desarrumada e vazia e achei que ela estava aqui no café e vim também... Vai ver que já está com o Sid. Depois que chegamos ainda ficamos conversando um tempão, até que dormimos exaustas.
- Nossa! Minha filha está mesmo muito bem disposta, para não dormir até tarde. É uma evolução. Adolescente sempre tem um sono danado, principalmente depois de uma festa tão boa.

Conversamos mais um pouco e voltei para o chalé. Priti não apareceu e resolvi procurá-la. No caminho encontrei Guido, que parecia muito nervoso.

- O que houve?
- Não encontro o Sid.
- E também não sei onde está a Priti.
- Ela também sumiu?
- Sumiu? Acho que não. Eles devem estar por aí. A área é muito grande.
- Mas Sid sempre aparece. Ele não tem o hábito de sair sem avisar. Vamos ao quarto dele ver se deixou algum bilhete.

Já começava a ficar nervosa. “Bobagem minha! Priti sempre me conta tudo. Deve ser preocupação do Gui à toa.”

No quarto, a cama estava desarrumada e haviam alguns papéis e um CD em cima da escrivaninha . Nenhum bilhete ou pista.

- Estranho esse CD estar aqui. É um dos bens mais preciosos do Sid. E tem uma característica: os arquivos vão se abrindo com o tempo, como um despertador. Acho que a mãe do Sid sabia de mais alguma coisa.
- Sabia o quê? E o que minha filha tem com isso?
- Vamos ver se abriu algum arquivo novo que eu ainda não conheça. Sid sempre me mostra as coisas que vai aprendendo.

Em um arquivo estava escrito: Ano Novo, 2021.

-É este, vamos vê-lo.

“Meu filho.

Mais uma vez eu te mando uma mensagem. Talvez a última, pois você agora seguirá seus rumos sozinho...”


- Sozinho?
- Parece que é o último arquivo.

“...Em outra época, num lugar longínquo que você conhece como Índia, chamavam-me de Maya, eu era casada com um rei e tive um filho que tinha o nome que mandei te batizar: Sidarta. Infelizmente, Maya não pode educar Sidarta, pois veio a falecer pouco tempo depois de seu nascimento.”

- O nome do Sid é Sidarta? O Buda?
- Sim, sim, mas vamos ler mais.

“ ...O então príncipe foi educado de forma muito especial por seu pai, preocupado com seu futuro. Aprendeu as artes literárias e militares e, como era muito brilhante, o menino logo tornou-se um homem de notável habilidade, digno de um dia vir a ser o rei. E seu crescimento também foi cercado de todo conforto, luxos e prazeres, porém, isolado do mundo exterior e dos acontecimentos da vida comum.

No dia do seu noivado com sua prima - também um arranjo do Rei - ouviu um canto de lamento. Procurou pelo palácio e encontrou uma mulher e perguntou-lhe o por que daquele canto tão triste, e ela lhe disse que ele achava tudo muito bonito porque não vira o que havia por de trás do lindo castelo onde ele morava. O lado de fora estava cheio de gente que sofria. A partir daí, resolveu abandonar toda a sua vida de luxo e riqueza e passou a viver como mendigo, em busca da verdade. Essa prática era comum em alguns jovens que viviam em semelhante condição, pois pensavam que esse sacrifício e a severa disciplina corporal lhes proporcionaria uma percepção tal, que o segredo do Universo lhes seria revelado.

Estudando os acontecimentos, vi que o seu destino não seria igual ao do Sidarta original. Deixando você ser educado pelo Guido, sabia que você jamais teria tais problemas, pois ele é uma pessoa boa e generosa. Mas o nome Sidarta significa aquele que realiza todas as suas metas. Uma das metas de Sidarta era descobrir uma maneira de eliminar os sofrimentos. 

Como a sua vida no palácio, cheia de luxo e riqueza, não poderia livrá-lo das doenças da velhice e da morte, ele trocou essa vida por outra cercada de penúria. E ele dizia que enquanto as pessoas não são afetadas pela doença, velhice ou morte, elas não pensam sobre essas coisas. E deixou sua casa para tentar descobrir o caminho pelo qual o ser humano poderia escapar desse sofrimento.

Por seis anos, Sidarta foi acompanhado por outros cinco jovens que também abandonaram suas casas e eram chamados de ascetas. Quando percebeu que o ascetismo não traria os resultados que procurava, Sidarta abandonou esse modo de viver. Ele compreendeu que a vida de riquezas e a vida de penúria são dois extremos; o ideal é seguir um caminho intermediário, o caminho do meio, o caminho do despertar. 

De qualquer forma, te dei o mesmo nome. Guido treinará você com as artes, terá inteligência e um dia governará um povo. Tenha sempre sabedoria e bom senso. Seja fiel aos seus princípios. Case-se e ame muito sua esposa, durante toda a sua vida. E ajude o povo a seguir um caminho de paz e harmonia.

Um beijo no coração.

Sua mãe.

Elle” 


A continuação é história para outro dia...

 


Eu sou doc

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