Capítulo 19 - A volta

Acordei com o galo cantando e as crianças fazendo bagunça. Já não vi mais a Priti e também não encontrei nenhum bilhete. Parti para as despedidas. 
Encontrei a Rafa a caminho da escola. Apesar das férias, ela falou que era mantida uma programação de lazer para as crianças.

- Então, já está indo? Volta para o Ano Novo? […]
- Vou tentar e trarei o Rô e o Arthur.
- O SAPO?
- Mas não vale chamar ele assim que ele zanga!

Rimos muito, demos um grande abraço. Ouvimos uma buzina.

- Agora tenho que ir. Minha carona chegou.
- Carona?
- Bom, sozinha é que não posso ficar, né? Namorar é muito bom. Tchau. Bom retorno.

Ela entrou no carro e mandou um beijo no cara que dirigia. Loiro e muito boa pinta. Namorado com certeza e, pelo visto, bem apaixonado.

Então fui a busca de Gui. Ele estava na varanda mas, ao invés de estar calmo e tranquilo na cadeira de balanço, andava de um lado para o outro.

- Oi, Bela! Viu o Sid? Ele tem que ira ao Rio fazer a pré-matrícula na escola e vai acabar perdendo o voo.
- Não vi. Pensei que a Pri estivesse com ele.

E estava mesmo. Logo a seguir chegaram os dois de mãos dadas e felizes.

- Até que enfim! Vamos, que já está na hora!
- Onde vocês estavam?
- Fomos nos despedir dos vôs!
- Parece que sua filha ganhou bisavós.
- E avô, namorado e tudo o mais.

Era uma cena de despedida, mas não havia tristeza. Voltaríamos para o Ano Novo certamente.

- Bela, vai em paz e volte no Ano Novo.
- Com certeza. Vou ver se o Arthur vem também. Ele estava às voltas com uma usina de energia lá na Índia e não sei se vem nem para o Natal.
- Espero que ele consiga. Ah! Sr. Holland já chegou. Vá com elas também, Sid, que aí os pombinhos aproveitam mais um pouquinho.

Ele então me abraçou longamente e não disse mais nada. Uma lágrima escorreu de meus olhos. Foram dias muito felizes.

Deixei lembranças para a Fê e para os vôs, pois já não havia mais tempo. No aeroporto deixei os garotos em paz. Sid embarcou antes, levando, de lembrança, um daqueles beijos de cinema que Priti deixou com ele. E, pelo visto, ela também ficou com uma chave... e deve ter dado uma para ele também!

A viagem de volta foi sem problemas e fomos lembrando os acontecimentos e discutindo o que vimos e o que sentimos. Nossa relação talvez tenha ficado bem mais forte. E ela crescera, certamente, mas parecia um pouco mais quieta. Talvez só impressão. Ao chegarmos, Rô já estava inquieto, no aeroporto, para fazer as compras finais de Natal. Com tanta confusão ainda faltava alguma coisa de última hora. O Natal eu passaria sem Arthur. Ele estava montando uma central de informações em uma usina de geração de energia na Índia. Apesar de todo o avanço no campo da informática, a Índia ainda tinha problemas sérios de energia e a montagem desta central era o último passo para que a usina começasse a funcionar. Porém, houve um acidente na usina - uma explosão - e ele teria de passar o Natal por lá para não atrasar a entrega; felizmente nada tinha acontecido com ele.

A festa na casa da minha mãe reuniu meus irmãos, cunhados e sobrinhos e foi bem divertida. A ceia era tropical com muitas frutas e sucos. E, claro, muitos doces, que minha mãe sempre soube fazer muito bem. Senti falta dos doces lá de Ribeirão, nada como aquele gostinho de fazenda, de doce de leite feito no tacho, na hora, estalando de novo, com aquele aroma invadindo a casa toda... Só de lembrar já ficava com água na boca! Mas os da minha mãe estavam ótimos também e a comidinha da mamãe será sempre a comidinha da mamãe!!

Quando chegou a melhor hora, o grande momento da noite - a distribuição de presentes - as crianças se esbaldaram! Os menores ganharam brinquedos e, antes que terminassem de abrir, já estavam no chão se divertindo com a novidade. Que saudades desse tempo... Já a minha adolescente ganhou, da minha mãe, um porta-joias de madeira com uma flor entalhada, que lembrava a margarida que ela ganhara do Sid. Quando ela notou a semelhança, senti uma lágrima de saudades querendo brotar nos olhos dela. Ela tinha pertencido à minha avó e foi uma lembrança bonita e uma grande coincidência. Para os meus pais, dei um belo enfeite indiano que significava a paz na família (espero que eles tenham entendido o que quis dizer com isto).

Para mim, minha mãe reservou um camafeu, também da minha avó. Fiquei bastante emocionada com o presente. Minha avó cuidara de mim durante um bom tempo da minha infância. Eu fui a caçula, era um tempo bem difícil e minha avó ajudou muito minha mãe enquanto eu era pequena. Ela foi a minha segunda mãe.

Durante toda a semana seguinte, minha pequena pouco falou. Estava nitidamente sentindo falta da sua paixão. Era bonito ver que, pela primeira vez, minha filha estava começando a entender o amor, a sentir e a receber este Dom. Ao mesmo tempo, doía em mim vê-la sofrer assim, sentido uma dor que mesmo eu, a sua mãe, era incapaz de resolver, me dando uma sensação de impotência. Ela procurava se distrair anotando coisas em seu diário eletrônico e arrumando o porta-joias, onde colocara o Murano numa posição de destaque. Tentei puxar assunto diversas vezes, mas ela preferiu ficar quieta, e eu respeitei a sua posição. Se ela quisesse conversar, saberia onde me achar. Este talvez fosse o momento dela digerir tudo aquilo que tinha acontecido e pensar só com ela.

Por minha vez, comecei a escrever sobre a viagem a Ribeirão. Fui descrevendo todas as passagens, aproveitando as histórias para falar sobre os adolescentes. Desta forma, o livro ficaria parecendo uma aventura nem um pouco maçante.

Na quarta-feira, depois do Natal, Arthur avisou que também não viria para o Ano Novo. Então resolvi, de vez, retornar a Ribeirão. Eu precisava vê-lo de novo. E Priti então, nem se fala. Em uma semana, ela só agora levantava os olhinhos, tristes de saudades.

- Mãe, você jura?
- Claro! Só que, de lá, voltaremos para a Índia mas, antes, passaremos no Rio de Janeiro para vocês conhecerem. Seu pai também sente nossa falta. E nossos objetivos no Brasil já estão resolvidos.

O objetivo era estar com meus pais. Conseguimos conversar e botar pra fora as mágoas e acho que a relação melhorara. Eles até estavam decididos a nos visitar na Índia durante o Carnaval! Acho que tudo havia dado certo no final. Mesmo que a ida a Ribeirão tivesse ficado em segredo para eles. Achei melhor assim, já que o clima estava bom. Acharam que já estávamos voltando para a Índia (o que não era mentira, só que íamos fazer uma baldeação, como nas antigas viagens de trem).


 Eu sou doc

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