Vida em Gama

Priti resolveu ir passear na cidade à tarde. Ofereci o jipe mas ela preferiu o cavalo pois não aprendera a dirigir.

Chegou de volta e o sol já se punha no horizonte.

- A cidade é uma gracinha, mãe. Lembra Ribeirão Florido. Tem um museu de ciências com computadores. Muito interessante.
- Esse museu tem mais de 20 anos, segundo contam.
- E o que você está fazendo?
- Chocolate quente. Carolina adora. Já dispensei a Alcionne.
- Ah! Que saudade do chocolate.
- Não tinha chocolate lá em... onde você estava?
- Um lugar que se chamava GAMA.
- GAMA? E onde é isso?
- Não sei bem a localização.
- Como não sabe? Você veio de lá! - eu tinha um misto de curiosidade e revolta em relação ao ocorrido.
- Bom, eu ia te contar depois...
- Conte agora. Pra que deixar pra depois? – disse enquanto servia uma xícara de chocolate quente para ela.
- Quando eu acordei estava muito frio e vi que nevava. Eu estava só de roupão e camisola e fiquei desesperada pois não via mais ninguém em volta?
- E Sid?
- Ninguém. Comecei a andar, andar e em poucos minutos e perdi minhas forças e desmaiei. Quando acordei, Sid já estava do meu lado e eu estava em uma cama.

“Oi Priti. Finalmente você chegou!. Te espero há um ano” – ele disse.

- Um ano? Perguntei.
- É. O objeto nos fez andar no tempo e fomos mais ao futuro. Só que ele chegou antes apesar de sairmos no mesmo momento.
- Isso tudo é muito irreal.

Nisso, Carolina entra na cozinha.

- Priti! – gritou – você prometeu brincar comigo.
- Você tem que tomar banho Carolina. E depois a gente vai lanchar. – disse.
- Posso tomar banho na banheira?
- Hum... mas aí você vai demorar.
- Deixe, mãe. Eu vou com ela e dou o banho nela. Aproveito depois tomo um também.
- Está bem.
- Eba! – exclamou Carol.

As meninas fizeram uma bagunça e uma barulheira danada naquela farra do banho. Acabou que Priti se molhou toda também e acabaram tomando banho juntas. Voou sabão e espuma para todos os lados. Elas riam, faziam cócegas uma na outra, contaram histórias. Carolina adora estórias infantis e sempre pede que eu leia livros de Monteiro Lobato antes de dormir. Com sua risada gostosinha e com um dengo característico isso se torna impossível de negar.

Fiz questão que limpassem tudo, mas elas nem se incomodaram com isso já que tudo virou uma brincadeira. No lanche mais farra até que, exausta, Carolina quis dormir e Priti colocou-a na cama. Observei tudo de longe. Depois nos sentamos na varanda somente com a música que o silêncio nos trazia.

Naquela noite conversamos durante horas. Ela me contou que GAMA era um local situado no meio de uma região montanhosa e coberto de gelo, porém se mantinha aquecido e quase tropical devido a uma pérola da natureza que tornara o local habitável. O acesso a outras regiões, entretanto, não era realizado com facilidade, pois seria necessário enfrentar o gelo e o desconhecido. A região era repleta de rios, cachoeiras e lagos com flores para todos os lados. Seus habitantes eram alegres e existiam poucos idosos, pois, segundo o costume, aqueles que alcançassem a idade de 40 anos, deveriam se aventurar pela neve a procura de outros locais habitáveis e desses aventureiros nunca mais se tinha notícia.

A fisiologia de seus habitantes era diferente. As meninas começavam a menstruar muito mais tarde e somente uma ou duas vezes por ano, talvez pela pouca influência do sol e pela atividade física intensa, pois todos tinham alguma função de trabalho por menor que fosse. A relação entre as pessoas era cordial independente de sexo, cor ou idade.

Os namoros entre os jovens seguiam um ritmo completamente diferente. Havia a amizade normal entre meninos e meninas, mas quando a menina atingia um determinado grau de desenvolvimento físico, que era variável, surgia um perfume adocicado que atraia ou afastava os meninos e isso somente em determinadas épocas do ano. Os que conseguiam se aproximar eram os amigos, aqueles com que a menina tinha maior afinidade e assim surgiam os eventuais namoros. Eram chamados de “escolhidos”. Os demais somente conseguiam chegar até uns cinco metros de distância o que acabava gerando diversas gargalhadas, pois o odor se tornava terrível quando o garoto não tinha maiores afinidades com a garota. De qualquer maneira, se não houvesse um entendimento entre o casal, o menino se afastava sem problemas. Priti casara-se com Sid após quatro anos que foi o tempo que demorou para seu organismo se adaptar as novas condições do ambiente. “Mas me livrei da menstruação rapidinho” – ela disse.

A subsistência também era estranha. Existiam algumas estruturas compatíveis com fábricas para tecidos e a matéria prima vinha de um lago, aparentemente artificial, onde era proibido nadar. De tempos em tempos, o lago secava e dava lugar a pomares, hortas, além de trigo para pão e algodão para o linho das roupas. Nestas épocas o trabalho era intenso com a colheita pois era a forma de subsistência da população. Tudo era armazenado e dividido entre todos de acordo com as necessidades individuais. Sid achava que era uma usina de reciclagem sofisticada com algum mecanismo oculto e com importante componente biológico já que também havia peixes cuja carne servia também como alimento e eram fáceis de pegar com o lago seco. Alguns não eram comestíveis e outros tinham um ferrão que devia ser evitado. A conservação dos alimentos se dava no gelo que era farto na divisa de GAMA com a neve.

Já exaustas fomos dormir. Eu estava um pouco intrigada. Afinal por que Priti voltara se ela estava em um paraíso?

Eu sou doc

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