O Nascimento

- Dona Bela, o almoço está pronto. Seu João o senhor quer almoçar? – Alcionne sempre cumpria os horários a risca e ficava zangada se a gente não obedecesse.

- Obrigado, Alcionne, mas "dona patroa" me espera em casa.

Combinei com seu João de fechar o negócio na segunda-feira e segui em direção à mesa de almoço. Priti já entrara na casa para se lavar antes do almoço e Carolina não desgrudava dela. Nos encontramos no cantinho da varanda onde Alcionne montou o esquema de almoço.

- A menina come de tudo? –perguntou Alcionne.
- Só não como carne. - respondeu
- Então vai gostar. Fiz cozido. A carne você pode deixar.
- Tem batata frita? – perguntou Carolina.
- Não. Mas se você quiser eu frito.
- Pode deixar Alcionne. Carol come de tudo, você sabe.

Nos servimos de refresco de caju colhido no pomar no verão e que Alcionne conservara em potes para usarmos durante todo o ano. Ao final foi servida a sobremesa, doce de leite, e Carolina ficou toda lambuzada e ria disso quando notamos a confusão.

- Ah! Carol!
- Parece comigo quando eu era pequena.
- Você comia doce de leite quando era pequena? – ela perguntou,
- Sempre adorei, mana. Mas agora é melhor a gente lavar as mãos senão vai sujar mais a sua roupa.
- Ela dorme depois do almoço, Priti.
- Como eu fazia, né?
- Você me coloca pra dormir, Priti?
- É claro!

E lá foram as duas enquanto eu ajudava Alcionne a tirar a mesa. A alegria delas era estimulante. Carolina sempre está sorrindo, mas as vezes é muito séria e sempre me defende das implicâncias de Alcionne.

- Feliz, dona Bela?
- Como não ficava desde que Carolina nasceu.
- Foi uma luta, não foi?
- Se você não estivesse aqui eu acho que não conseguiria.

O parto de Carolina foi no sítio. Eu tinha ido à consulta com Dr. Fábio à tarde e ele achou que seria prudente eu internar logo no Hospital, pois a qualquer momento eu poderia entrar em trabalho de parto. Eu concordei com ele, mas pedi para ir em casa buscar minhas coisas porém caiu um temporal e, como não estava sentindo nada, deixei para internar no dia seguinte. De madrugada, porém, a bolsa rompeu e chamei Alcionne. Só que eu sentia muitas dores e ficaria difícil eu dirigir até a cidade. Alcionne então começou a esquentar água e me amparou nas horas seguintes. No momento em que Carolina estava quase nascendo, entra na casa o Dr. Fábio com uma enfermeira. “- De onde o senhor veio? – Da minha casa, oras! A senhora não internou, mas recebi o recado de que a senhora estava em trabalho de parto e vim o mais depressa que pude. A senhora tem que mandar colocar brita na picada, pois daqui a pouco nem trator passa por aquela lama!”

Apesar dos meus dois partos anteriores terem sido em hospitais, com recursos sofisticados na Índia, o nascimento de Carolina foi infinitamente mais fácil. E ela chorou e veio para os meus braços de onde não saia quase pra nada. Chega de berçários, de soros e remédios. Gravidez e parto não são doenças e Dr. Fábio fez um excelente pré-natal. “- Médico da “roça” tem que caprichar porque a gente não tem maiores recursos, dona Bela” – era o que ele dizia.

- E como ele soube que Carolina ia nascer, Alcionne?
- Seu anjo deve ter avisado a ele...
- É bem provável. – preferi não insistir nesse mistério.
- Pronto, mãe! Carol já está dormindo.
- É bom este descanso à tarde. Mas daqui a pouco ela acorda.
- Eu sei. Eu também acordava logo. E ela é inteligente e me perguntou um monte de coisas. Como era o lugar que eu morava, por que eu não morava com vocês...
- Boas perguntas. E você respondeu?
- Disse que depois eu contava. Ela já estava até bocejando.
- Mas que tal você contar alguma coisa pra mim logo de uma vez?
- Tá bom, mãe.
 
(continua)
Eu sou doc

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