A Bióloga

O fim de semana chegou e dei folga pra Alcionne. O que não adiantou nada, pois sempre havia café da manhã pronto e um almoço no fogão para esquentarmos depois. A única diferença é que ela fazia tudo escondido para que eu não ralhasse com ela.

À noite passeamos na cidade para ver um pouco da festa que se estendia por quase quinze dias. Por mim eu nem iria, mas Carolina insistiu até porque queria mostrar a irmã aos coleguinhas principalmente para Amanda, sua melhor amiga, que era filha de uma artista plástica de nome Júlia. Priti chamava bastante atenção das pessoas, pela sua beleza ímpar e Carolina desfilava de mãos dadas com ela bastante orgulhosa. Fez questão que a irmã a arrumasse e saiu de casa toda fagueira.

Durante a semana eu ia a escola com Carol de manhã e Priti, que conseguira um emprego na área de informática do Museu da Ciência, ia para lá todos os dias logo cedo e a cavalo.

As semanas se passaram e achei que minha vida ficara, enfim, com algum significado maior do que a solidão; tinha minhas duas filhas comigo e isso era tudo o que importava. Parei de perguntar sobre GAMA apesar de que, eventualmente, Priti fazia uma ou outra comparação dos estilos de vida. No fundo dos seus olhos eu conseguia ver um sentimento de tristeza. Mas deixei quieto.

Uma tarde, entretanto, ao chegar em casa, Alcionne me avisou de que havia outra visita mas desta vez para Priti e que estava na varanda.

- Olá!
- Mãe! Essa é a Denise. É bióloga e fiz contato com ela através do Museu da Ciência.
- Bio, o que? – perguntou Carolina.
- Bióloga, Carol. Estuda os bichinhos. – Priti simplificou a explicação.
- Como vai? – a bela moça de seus 30 anos me cumprimentou e passamos para a sala de estar.
- Vai ficar conosco, com certeza.
- Agradeço mas já tenho quarto na pousada. E já vou embora amanhã.
- Tão cedo? Mas ao menos jante conosco.
- Eu agradeço seu convite de bom grado.
- Denise, posso te chamar assim? Gostou do jantar?
- Claro que pode. E eu adorei Dona Bela.
- Obrigada. E o que você estuda? É especializada em alguma coisa?
- Oceanologia. Estudei na Universidade do Rio Grande.
- E está com algum projeto em andamento?
- Ela estuda os ecossistemas e a influência do hiper aquecimento da Terra. – explicou Priti.
- As criaturas marinhas estão se modificando e se adaptando à poluição dos mares e dos rios. O destino do mundo está no mar e se não tomarmos cuidado poderemos não ter destino muito bom se esgotarmos os recursos que hoje existem.
- Muito interessante. Mas não sabia que Priti estava interessada nisso.
- Algumas coisas eu não te contei, mãe.
- A Priti me trouxe um ferrão de um espécime que eu nunca tinha visto. Parece de uma arraia só que extremamente perigosa pois traz um veneno letal. – onde será que Priti trouxe isso que eu não vi? – pensei.
- Isso. Quero um antídoto ou um soro.
- Mas para isso tenho que voltar à Universidade para estudar o caso. Se Priti dissesse onde encontrou talvez facilitasse, não é Priti?
 
Priti ignorou o comentário e foi buscar um café. Na volta, entretanto, ficou pálida e quase deixou cair a bandeja.

- Priti? O que houve?
- Mana!
- Nada, mãe!
- Alcionne, me dê uma ajuda.

Alcionne rapidamente preparou um chá e serviu Priti que logo melhorou a cor. Carolina não saiu de seu lado.

- Ah! Alcionne! Esse chá é muito bom!
- Quando a gente sabe o problema a gente serve o chá das ervas certas.
- Mas eu nem sei qual é o problema, Alcionne. Como você poderia saber?
- Deixe estar dona Bela. O importante é que a menina está melhor. Mas deve descansar e amanhã deve deixar o cavalo na estrebaria.
- Mas tenho que ir ao trabalho.
- Eu levo você! – disse Alcionne bem séria.
- E já está na hora de você aprender a dirigir o jipe. Desta forma você poderia me deixar na escola, vai ao museu e me apanha na volta.
- Nossa! Quanto cuidado! Eu não estou doente e nem sou inválida. Só... – e emudeceu.

Antes que eu pudesse reclamar da malcriação de minha filha, Denise interrompeu:

- Bom, já que Priti está bem, prefiro ir embora. Já havia marcado hora com o motorista do museu e ele já chegou.
- E já o coloquei na cozinha. É seu Jorge que adora meus bolinhos. – disse Alcionne.

Nos despedimos de Denise, Priti recolheu-se, Carolina também e fui até a cozinha onde Alcionne terminava a função.

- A menina vai ficar bem, dona Bela!
- Mas estou preocupada. Ela nunca foi de passar mal à toa.
- A senhora tem que aprender a linguagem dos olhos. Um dia a senhora aprende. – e Alcionne saiu pela porta sem dar maiores explicações.
 
(continua)
Eu sou doc

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